domingo, 14 de abril de 2019

RESENHA: Tudo o que nunca contei

Na manhã de um dia de primavera de 1977, Lydia Lee não aparece para tomar café. Mais tarde, seu corpo é encontrado em um lago de uma cidade de Ohio a que ela e sua família sino-americana nunca se adaptaram muito bem.
Quem ou o que fez com que Lydia — uma estudante promissora de 16 anos, adorada pelos pais — fugisse de casa e se aventurasse em um bote tarde da noite, mesmo tendo pavor de água e sem saber nadar?
À medida que a polícia tenta desvendar o caso do desaparecimento, os familiares de Lydia descobrem que mal a conheciam. E a resposta surpreendente, assim como o corpo da garota, está muito abaixo da superfície.

Apesar de já ter lido outro livro da autora, e gostado demais, foram os comentários e a empolgação de dois amigos que me estimularam a encarar este livro. E, com toda a dor, perda e esperança que encontrei, não podia estar mais satisfeita com a minha decisão.

Temas familiares me chamam a atenção com facilidade e encontrei neste livro problemas específicos em relação a origem, e também a sonhos não realizados. A maneira como James e Marylin lidam com esses dois aspectos é que norteia os acontecimentos dentro da família Lee.

James enfrenta desde sempre o racismo por sua origem chinesa, e sente como é difícil não se encaixar. Por ter essa dificuldade transmite aos filhos a necessidade de serem mais integrados socialmente. Já Marylin me deixava revoltada, ao mesmo tempo que entendia a tristeza e rancor por sonhos não vividos. Claro que minha realidade é bem diferente, a época é outra, mas saber que avançamos tão pouco em ser enxergadas como pessoas tão capazes quanto os homens, incomoda muito. Como ela espelha sua vivência na Lydia poderia ser uma coisas boa, mas ela não dá voz a filha, fazendo escolhas em nome do futuro que não teve, moldando o de Lydia para substituir o que perdeu. Ambos os pais colocam em Lydia a esperança de ser tudo o que não foram e nenhum deles se mostra aberto para entendê-la ou sequer para perguntar qual a posição dela em relação a própria vida.

A falta de comunicação entre os membros da família faz tudo acontecer da pior forma possível. A autora se preocupa em mostrar como as poucas tentativas são seguidas de cobranças, e como os pais estão concentrados em suas próprias questões, impossibilitando-os de entender de verdade os filhos, de enxergarem suas angústias e dores. Por mais que Lydia seja a que recebe mais pressão - chega a ser cruel como suas oportunidades são podadas somente para atender aos sonhos e anseios de seus pais - a falta de preocupação com Hannah é devastadora. Ninguém nunca se importa onde ela está, o que faz, se está bem. A maneira que todas as conquistas de Nath são ignoradas também me deixava aflita, e estragou vários momentos entre ele e a irmã, por mais que ele atuasse como seu único consolo.

A escrita da Celeste Ng é envolvente num nível difícil de explicar. O livro é composto de capítulos longos que passam muito rápido e, por mais que a história não tenha grandes reviravoltas, cria uma tensão palpável, onde cada página virada significava medo e curiosidade juntos. Os personagens tem qualidades e defeitos muito críveis, e por vezes adorava um para momentos depois me chatear com ele. Consigo apontar o que mais gostei - foi o Nath - e da mesma forma criticar algumas de suas posturas. E é mérito total da autora desenvolver essa gama de sentimentos não somente nos seus personagens, mas também em seus leitores. Ansiosa para ler outra obra sua.

Sobre o livro:
ISBN: 9788551003183 
Autora: Celeste NG
Editora: Intrínseca
Ano: 2018
Páginas: 304

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