Em seu vigésimo sexto aniversário, Dana e seu marido estão de mudança para um novo apartamento. Em meio a pilhas de livros e caixas abertas, ela começa a se sentir tonta e cai de joelhos, nauseada. Então, o mundo se despedaça.
Dana repentinamente se encontra à beira de uma floresta, próxima a um rio. Uma criança está se afogando e ela corre para salvá-la. Mas, assim que arrasta o menino para fora da água, vê-se diante do cano de uma antiga espingarda. Em um piscar de olhos, ela está de volta a seu novo apartamento, completamente encharcada. É a experiência mais aterrorizante de sua vida... até acontecer de novo. E de novo.
Quanto mais tempo passa no século XIX, numa Maryland pré-Guerra Civil – um lugar perigoso para uma mulher negra –, mais consciente Dana fica de que sua vida pode acabar antes mesmo de ter começado.
“Impossível terminar de ler Kindred sem se sentir mudado. É uma obra de arte dilaceradora, com muito a dizer sobre o amor, o ódio, a escravidão e os dilemas raciais, ontem e hoje” –Los Angeles Herald-Examiner
Kindred foi meu primeiro livro lido do ano e sua escolha foi fruto de uma leitura conjunta com mais três amigos. Enquanto líamos, íamos dividindo nossas impressões e fiquei surpresa como o enredo conseguiu nos atingir tanto.
O tempo todo eu imaginava como seria o impacto de viver numa época livre - mesmo com todo racismo e machismo presentes - e, de repente, ir para um período onde minha cor me tornava uma pessoa escravizada, onde a vida era insalubre e perigosa. Esses sentimentos são bem representados na Dana e muitas das coisas que ela se incomodava espelhava também meus próprios incômodos. Da mesma maneira que seu tempo naquele lugar faz com que ela quase normalize ações impensáveis mesmo na década de 70 e, tanto eu quanto um dos meus amigos, percebemos que também fizemos isso, nos chocando menos ao longo da leitura porque nos acostumamos com as cenas lidas.
Refletindo sobre isso, imagino como era para as pessoas escravizadas vivendo todo dia daquela forma, todo dia sobre abusos, injustiças e medo constante, e como eles precisaram racionalizar isso para conseguir ir em frente. Octavia Butler faz essas questões saltarem durante toda a narrativa, além de mostrar como a vivência deste período para os brancos, mesmo aqueles empáticos e ante escravagistas, era diferente. O Kevin é um exemplo muito forte e me peguei ficando com raiva dele algumas vezes, porque a força de determinados acontecimentos não era sentida na intensidade que a Dana sentia.
A normalização dos absurdos da época me fizeram ter também sentimentos confusos sobre o Rufus. Torcia para Dana conseguir tocar seu coração para torná-lo uma pessoa digna, e ele tinha seus momentos, me fazendo simpatizar e acreditar na camaradagem entre ele e nossa protagonista. Porém era um homem fruto da sua época e sem interesse algum em mudar um sistema de poder construído para beneficiar a ele e aos seus iguais, então passei o livro todos desconfiando de suas atitudes.
Volto a frisar como a autora foi mestre em passar todos os sentimentos, a confusão da Dana em fazer o certo, o necessário e o que o coração mandava. A luta em sobreviver e garantir sua própria descendência, as percepções dela sobre as outras pessoas escravizadas como Alice, Nigel Carrie, Sarah e o amor sentido por elas.
É minha segunda leitura da autora, a primeira foi Filhos de sangue e outras histórias e eu já tinha ficado muito empolgada. Lembro da Maria do Impressões de Maria me falando que esse não era o melhor livro da Octavia e realmente, Kindred é superior de muitas formas, tem uma narrativa e desenvolvimento maravilhosos, do tipo que não te deixa largar o livro, e me fez lidar com uma confusão de sentimentos, refletir sobre o passado e os erros ainda persistentes, sobre feminismo, amor e poder. E, principalmente, me fez querer ler muito mais da autora.
Sobre o livro:
ISBN: 9788592795191
Autora: Octavia E. Butler
Editora: Morro Branco
Ano: 2017
Páginas: 432
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