Na Nigéria dos anos 60, Adah precisa lutar contra todo tipo de opressão cultural que recai sobre as mulheres. Nesse cenário, a estratégia para conquistar uma vida mais independente para si e seus filhos é a imigração para Londres. O que ela não esperava era encontrar, em um país visto por muitos nigerianos como uma espécie de terra prometida, novos obstáculos tão desafiadores quanto os da terra natal. Além do racismo e da xenofobia que Adah até então não sabia existir, ela se depara com uma recepção nada acolhedora de seus próprios compatriotas, enfrenta a dominação do marido e a violência doméstica e aprende que, dos cidadãos de segunda classe, espera-se apenas submissão.
Cidadã de segunda classe foi minha escolha para o desafio #LeituraPreta de Março. A autora é muito citada pelas criadoras de conteúdo que sigo, e faz um tempo que queria conhecer sua escrita. Tentei ano passado e não deu certo, mas esse ano finalmente aconteceu. Passei por uma infinidade de sentimentos durante a leitura e, ainda sim, alguns me pegaram de surpresa: eu sabia que não seria fácil, mas o tom inicial do livro prometia alguma leveza (mesmo não muita) e assim foi até o momento que nossa protagonista vai para Londres.
Se eu já tinha todos os níveis de raiva possíveis quando lia sobre o tratamento dado as mulheres da educação ao trabalho, passando por casamentos arranjados e familiares insensíveis na Nigéria, não sei nem definir o que senti após a chegada de Adah na Inglaterra.
As diferenças de tratamento, os lugares insalubres que as pessoas negras eram obrigadas a morar por conta do racismo, as condições de vida desumanas dão ao nome do livro toda o sentido, fazendo de Adah e sua família pessoas muito diferentes dos indivíduos que eram: mesmo com toda uma cultura de menosprezo às mulheres, exaltando homens e tudo que era estrangeiro, eles pertenciam a um lugar, a uma sociedade. No novo continente, eles se eram o pior, eles eram segunda classe.
Todas as vezes que Francis, marido de Adah, falava sobre o que era ser segunda classe, me subia um ódio imenso por vários motivos, sendo o próprio homem um dos maiores gatilhos. Não há nada pior do que pessoas frustradas e soberbas, então pra mim, era uma tortura ver o tratamento dado a Adah por ele. O rancor que sentia pelo próprio fracasso parecia se voltar todo para a mulher e minava todos os sonhos dela.
E, como se tudo isso não bastasse, ainda tem o machismo. Meu sentimento mais presente, além da raiva, era a revolta, pois não conseguia acreditar como tudo isso podia acontecer com a protagonista. Eram situações terríveis, abusos de diversas formas, e ela fazendo o melhor para dar aos filhos uma vida digna. Em alguns momentos ela devaneia um pouco sobre determinadas situações, mas entendi como um escape, até mesmo metáforas, para entender o lugar que ocupava e como precisava mudar isso.
Creio que o pior de tudo foi descobrir que o livro se baseia na vida da própria autora. Fiquei ainda mais triste sobre os percalços de Adah depois de saber disso, porque pensar em determinados absurdos no campo da ficção já é bem desconfortável, mas ter certeza da veracidade aprofunda mais o desespero. Essa descoberta também ajuda a entender o final abrupto do livro. Buchi não nos dá soluções, nem final idealizado, ela mostra as dificuldades das decisões complexas, dos recomeços e da realidade. Sua escrita mostra dor e verdade, e por isso, pretendo continuar conhecendo sua obra.
Sobre o livro:
ISBN: 9788583181118
Autora: Buchi Emecheta
Tradução: Heloisa Jahn
Editora: Dublinense
Ano: 2018
Páginas: 256
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