Adaptado de um livro do escritor coreano Choi Yong-tak, Memórias de um Freixo retrata um momento dramático e violento da história recente coreana conhecido como o "Massacre das Ligas Bodo". Durante o verão de 1950, logo no início da Guerra da Coreia, as autoridades sul-coreanas organizaram a eliminação de dezenas de milhares de civis, oponentes políticos declarados ou simples simpatizantes, por medo do contágio comunista.
Esse massacre, realizado pelo exército e pela polícia sul-coreanos, deixou entre 100.000 e 200.000 mortos, incluindo mulheres e crianças. Posteriormente, o evento foi deliberadamente obscurecido pela história oficial da Coreia do Sul. Apenas na década de 1990 que valas comuns foram encontradas e alguns perpetradores do crime foram chamados a testemunhar.
Nesta história cujo narrador é uma árvore que habita um dos vales onde ocorreram os massacres, o autor mobiliza o leitor por meios gráficos excepcionais através de um conjunto de imagens de beleza sombria e marcante. Kun-woong Park é um autor virtuoso e comprometido, e faz um trabalho de longo prazo que visa exorcizar os erros dos governos coreanos desde a independência em 1945.
Vocês devem estar acostumados a essa altura da minha procura por conhecer mais da cultura coreana por conta dos dramas que assisto. Memórias de um freixo se encaixou nisso como uma visão necessária para entender a história das Coreias, em especial na época da Guerra da Coreia.
Não sou muito de dois ladismos, porém me parece que países mais fechados e com sistemas políticos e econômicos divergentes do capitalismo carregam um estigma perpetuado por informações desencontradas, fantasiosas e criminosas em muitos aspectos. Portanto acho necessário se aprofundar na história e observar que muitas vezes defendemos países que tem sua cota de acontecimentos sombrios porque achamos saber algo sobre o oponente. No caso especifico tratado em Memórias de um freixo temos uma visão bem menos gentil do lado sul coreano e fiquei realmente espantada com a quantidade de mortes estimada pelos historiadores e como os números oficiais apresentam diferenças gritantes.
Como um país assombrado por conflitos durante muito tempo (invasão japonesa, Segunda Guerra e a Guerra da Coreia), não consigo entender como esse fato histórico em específico foi esquecido. É horrível de todos os ângulos que se possa analisar, elevando um cenário político ruim a um estado total de selvageria e desrespeito com o ser humano. Pesquisei um pouco sobre o assunto e sobre as LIgas Bodo depois que li o quadrinho e ficou ainda pior minha visão sobre a crueldade das forças sul coreanas e as decisões do presidente Rhee. E alguns países não asiáticos se envolveram e ratificaram essas ações (preciso dizer que os EUA tem dedo nisso também?).
Falando da adaptação do livro para a graphic novel (os excelentes textos de apoio da própria graphic novel ajudaram bastante), o mais interessante para mim é como o autor transformou o Freixo na testemunha perfeita para nos contar esse evento tão sangrento. As descrições feitas pelo freixo amenizavam o horror de toda a matança enquanto a arte a deixava mais real e, em termos de apresentação de enredo, acho que funcionou maravilhosamente bem.
A arte é magnífica e dá vazão a narrativa numa combinação que funciona muito bem. Destaco os momentos onde o Freixo compara a aparência e sons dos homens abatidos com animais e o talento do quadrinista para expressar isso através de sua arte. Este é somente um exemplo de vários contidos na HQ, onde a arte dá vida a narração.
Capa e sobrecapa de Mémorias de um freixo
Foi uma experiência um tanto chocante porque não fazia ideia de sua existência nem da dimensão da violência, mas que foi providencial para entender que ninguém é dono absoluto da verdade, que preciso sempre pesquisar, saber mais, e aprofundar para não fazer julgamentos superficiais. Um leitura que fiz ano passado e que me parece muito boa de ser lembrada agora, já que nosso próprio momento político importante se aproxima (espero eu sem o mesmo rastro de violência). Pesquisem, leiam, critiquem até quem vocês apoiam porque são dessas críticas que podemos evoluir. E quanto à "Memórias de um freixo" recomendo demais. É história, é informação, é arte, é necessário e, como leitura, é maravilhoso.
Graphic novel:
Memórias de um Freixo
ISBN: 9786558030706
Autor: Kun-woong Park
História original de: Choi Yong-tak
Tradutor: Jae Hyung Woo
Editora: Conrad
Ano: 2021
Páginas: 304
Autor: Kun-woong Park
História original de: Choi Yong-tak
Tradutor: Jae Hyung Woo
Editora: Conrad
Ano: 2021
Páginas: 304
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