domingo, 1 de outubro de 2017

RESENHA: Ninguém nasce herói

Num futuro em que o Brasil é liderado por um fundamentalista religioso, o Escolhido, o simples ato de distribuir livros na rua é visto como rebeldia. Esse foi o jeito que Chuvisco encontrou para resistir e tentar mudar a sua realidade, um pouquinho que seja: ele e os amigos entregam exemplares proibidos pelo governo a quem passa pela praça Roosevelt, no centro de São Paulo, sempre atentos para o caso de algum policial aparecer. Outro perigo que precisam enfrentar enquanto tentam viver sua juventude são as milícias urbanas, como a Guarda Branca: seus integrantes perseguem diversas minorias, incentivados pelo governo. É esse grupo que Chuvisco encontra espancando um garoto nos arredores da rua Augusta. A situação obriga o jovem a agir como um verdadeiro super-herói para tentar ajudá-lo — e esse é só o começo. Aos poucos, Chuvisco percebe que terá de fazer mais do que apenas distribuir livros se quiser mudar seu futuro e o do país.

Não sabia nada sobre o livro até começar a lê-lo. Nada de sinopses ou resenhas, a leitura se iniciou totalmente no escuro, sem perspectivas. Não estava preparada para o enredo que encontrei, nem com a identificação que ele trouxe, tanto em forma de pensamentos similares nem sobre a realidade do nosso país, e não tenho dúvidas que foi isso que me ganhou.


O livro assusta pela sua similaridade com nosso momento político. Mesmo tratando-se de uma distopia onde São Paulo e o Brasil são liderados por uma figura chamada de Escolhido, acontecimentos e personalidades são bem críveis. Algumas referências são impossíveis de não se notar e é assustador demais perceber o quão pouco falta para a ficção virar nossa realidade.

Os temas não se restringem ao lado político, por mais que seja o mais presente. Chuvisco e seus amigos são retratos de algumas minorias e levantam questões sobre preconceito, gênero, doenças mentais e fanatismo religioso. Críticas as leis e ao tratamento dados à elas não faltam, além de citar algumas que infelizmente já tornaram-se realidade.

A história ainda tem espaço para a relações de amizade e confiança. Chuvisco é o narrador, mas ele também é a nossa voz (pelo menos ele foi a minha em várias ocasiões) diante dos absurdos que o governo do Escolhido potencializou (sim, porque os grandes males já estavam lá, como já estão aqui). Dentro do clima tenso e perigoso que ele vive, a ligação com os amigos são o mais perto de normalidade que ele tem. Óbvio que alguns segredos e enfrentamentos se fazem necessários e outra vez bato na tecla sobre como é crível a construção dessas interações. Não sei de quem gostei mais e acho que nunca saberei.

A narrativa foi instigante, fui surpreendida várias vezes. Só não foi um livro perfeito porque, em alguns momentos, o clímax das cenas parecia ser cortado abruptamente e me causou um pouco de estranheza, mas nada que comprometa o andamento da história.

Sempre tive curiosidade sobre os livros do Eric Novello, o Lucien do Leitor Cabuloso sempre comenta sobre sua escrita e eu fiquei feliz em ver o quanto a indicação é válida. Nos agradecimentos, o Eric diz querer que esse livro torne-se cada vez mais distopia e menos realidade. Eu quero o mesmo.

* Este livro foi cortesia da Editora Companhia das Letras

Sobre o livro:
ISBN: 9788555340420 
Autor: Eric Novello
Editora: Seguinte
Ano: 2017
Páginas: 384

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