Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de "cuidadora". Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades artísticas e conta, entre várias outras amenidades, com bosques, um lago povoado de marrecos, uma horta e gramados impecavelmente aparados. No entanto esse internato idílico esconde uma terrível verdade: todos os "alunos" de Hailsham são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição.
Assim que atingirem a idade adulta, e depois de cumprido um período como cuidadores, todos terão o mesmo destino - doar seus órgãos até "concluir". Embora à primeira vista pareça pertencer ao terreno da ficção científica, o livro de Ishiguro lança mão desses "doadores", em tudo e por tudo idênticos a nós, para falar da existência. Pela voz ingênua e contida de Kathy, somos conduzidos até o terreno pantanoso da solidão e da desilusão onde, vez por outra, nos sentimos prestes a atolar.
Eu tinha vontade de sobra de ler algo do Kazuo Ishirugo, mas até então eu não tive oportunidade. Quando recebi o livro fiquei feliz de conferir seu estilo de escrita e além de checar se ele merecia tantos elogios. E na minha humilde opinião, ele, de fato, merece mesmo.
Os sentimentos de Kathy, Tommy e Ruth nos são passados de forma mais intrínseca ao estilo da narrativa. Recebemos as mesma informações que eles e, em algum ponto da leitura, lidamos com a notícia da mesma maneira também. O que nos indignava a princípio como leitores começa a nos parecer normal até o momento que alguma situação ocorre e somos despertados pela realidade deles e voltamos a nos rebelar.
Não é um enredo que tem reviravoltas, nem acontecimentos grandiosos, é baseado somente em situações do dia a dia, com suas pequenas alegrias e percalços, mas ainda sim, cheio de significados. O trunfo do livro está justamente na maneira que o autor nos faz refletir sobre a crueldade - considerando a finalidade da existência deles - da passagem dos dias e as ocupações dos alunos.
Alguns leitores provavelmente se incomodarão com a falta de momentos mais assertivos, porém para mim foi justamente o que me ganhou, essa simplicidade cheia de significados. O tom do livro é basicamente melancólico, triste e tem um recurso que normalmente gosto e do qual o autor fez bom o uso: as variações temporais. Kathy vai nos relembrando sua história até a época que ela vive, seus 31 anos, mas não o faz de forma linear, mesmo que a história se divida em três partes distintas da vida dela.
A leitura foi interessante demais. O autor sabe mexer com os sentimentos, desenvolver a empatia do leitor sobre o destino dos personagens e com certeza ganhou uma fã. Não vejo a hora de ler mais obras do Ishirugo.
* Este livro foi cortesia da editora Companhia das Letras.
Sobre o livro:
ISBN: 9788535926552
Autor: Kazuo Ishirugo
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2016
Páginas: 344
Nenhum comentário: