segunda-feira, 2 de maio de 2022

RESENHA: Kim Jiyoung, nascida em 1982

Com narrativa sutil e ao mesmo tempo arrebatadora, Kim Jiyoung, nascida em 1982 retrata a realidade de uma jovem coreana e os profundos impactos da desigualdade de gênero na vida das mulheres.
Em um pequeno apartamento nos arredores da frenética Seul vive Kim Jiyoung. Uma millennial comum, Jiyoung largou seu emprego em uma agência de marketing para cuidar da filha recém-nascida em tempo integral ― como se espera de tantas mulheres coreanas. Mas, em pouco tempo, ela começa a apresentar sintomas estranhos, que preocupam o marido e os sogros: Jiyoung personifica vozes de outras mulheres conhecidas ― vivas e mortas. A estranheza de seu comportamento cresce na mesma proporção que a frustração do marido, que acaba aconselhando a esposa a se consultar com um psiquiatra.
Toda a sua trajetória é, então, contada ao médico. Nascida em 1982 e com o nome mais comum entre as meninas coreanas, Kim Jiyoung rapidamente se dá conta de como é desfavorecida frente ao irmão mimado. Seu comportamento sempre é vigiado e cobrado pelos homens ao seu redor: desde os professores do ensino fundamental, que impõem uniformes rígidos às meninas, até os colegas de trabalho, que instalam uma câmera escondida no banheiro feminino para postar fotos íntimas das mulheres em sites pornográficos. Aos olhos do pai, é culpa de Jiyoung que os homens a assediem; aos olhos do marido, é dever dela abandonar a carreira para cuidar da casa e da filha.
A vida dolorosamente comum de Kim Jiyoung vai contra os avanços da Coreia do Sul, uma vez que o país abandona as políticas de controle de natalidade e “planejamento familiar” ― que privilegiava o nascimento de meninos ― e aprova uma nova legislação contra a discriminação de gênero. Diante de tudo isso, será que seu psiquiatra pode curá-la ou sequer descobrir o que realmente a aflige? Best-seller internacional, Kim Jiyoung, nascida em 1982 é uma obra poderosa e contemporânea que não só atinge o âmago da individualidade feminina, como também questiona o papel da mulher em âmbito universal.

Seguindo meu interesse na cultura sul coreana fiquei muito feliz em ver Kim jiyoung, nascida em 1982 no mercado brasileiro. Desde o lançamento do filme fiquei intrigada com o livro e preferi não assistir porque tinha esperança de ler o livro antes. E aqui estou.

A vida da Jiyoung, mesmo do outro lado do mundo, se assemelha muito as de várias mulheres que conheço e, em alguns aspecto, com a minha também. Óbvio que a parte de casamento e filhos passa longe de mim, mas se sentir preterida no trabalho, insuficiente porque o mundo reserva as melhores escolhas para os homens me atingiu. Qual mulher nunca se sentiu assim?

O sofrimento dela com as mudanças, expectativas frustradas, o peso das novas responsabilidades, a exaustão de ser mãe e ainda agradar a família do marido, tudo isso é motivo para o estado mental da protagonista. É um retrato de como é injusto e doloroso para a mulher cumprir com o esperado dela pela sociedade, principalmente quando suas opiniões são descartadas por todo mundo.

A narrativa deixa claro também como essa construção é antiga, o quanto ela se repete geração após geração, mudando somente alguns contextos que agravam tudo. Então percebemos como a mãe da Jiyoung passou por coisas semelhantes, como ela repete alguns comportamentos e se esforça para mudar outros.

Como ando lendo coisas que me fazem passar raiva, não posso correr dos meus sentimentos todas as vezes que a sociedade escolhe dar oportunidades e atribuir qualidades aos homens mesmo que muitas vezes eles não mereçam. Acontece no trabalho da Jiyoung, na faculdade e até mesmo em casa. A cada repetição desse desenrolar é uma pedrinha a mais para minar a saúde mental dela.

Temos algumas representações masculinas que se importam, claro, e tentam ajudar a protagonista. O marido, em especial, parece fazer o possível, mas ele também faz parte do problema, mesmo não querendo.

Além das questões levantadas, me interessa bastante o aspecto político, econômico e social que serve de plano de fundo para vários dos acontecimentos. Então percebemos as poucas alterações em relação as mulheres, sabemos um pouco mais da crise que levou a Coreia a dever ao FMI - achei o máximo porque também vi sobre o assunto no drama Twenty-five twenty-one e na HQ, Jun, falarei mais deles em breve - além do impacto desses acontecimentos nas famílias.

A narrativa é um tanto mais crua em relação ao esperado por mim, mas faz sentido e nos dá vários dados importantes com fontes. É um pouco romance, um pouco documentário, e muito de injustiça e machismo. É um livro necessário para desmistificar como a Coreia do Sul é - muito mais do que dramas e k-pop - com seus defeitos e contradições. Algumas outros pontos vou falar mais no Assistimos na Fábrica junto com minha opinião sobre o filme.

Sobre o livro:
ISBN: 9786555604924
Autora: Cho Nam-Joo
Tradução: Alessandra Esteche
Editora: Intrínseca
Ano: 2022
Páginas: 176

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