Foi há quarenta anos, agora ele lembra muito bem. Quando os tempos ficaram difíceis e os pais decidiram que o quarto do alto da escada, que antes era dele, passaria a receber hóspedes. Ele só tinha sete anos.
Um dos inquilinos foi o minerador de opala. O homem que certa noite roubou o carro da família e, ali dentro, parado num caminho deserto, cometeu suicídio. O homem cujo ato desesperado despertou forças que jamais deveriam ter sido perturbadas. Forças que não são deste mundo. Um horror primordial, sem controle, que foi libertado e passou a tomar os sonhos e a realidade das pessoas, inclusive os do menino.
Ele sabia que os adultos não conseguiriam — e não deveriam — compreender os eventos que se desdobravam tão perto de casa. Sua família, ingenuamente envolvida e usada na batalha, estava em perigo, e somente o menino era capaz de perceber isso. A responsabilidade inescapável de defender seus entes queridos fez com que ele recorresse à única salvação possível: as três mulheres que moravam no fim do caminho. O lugar onde ele viu seu primeiro oceano.
Quando "O oceano no fim do caminho" foi lançado no Brasil, lembro de ter lido várias resenhas sobre ele e ficado animada com a resposta positiva ao novo romance do Neil Gaiman. Algum tempo se passou e fui deixando a leitura para depois e, de repente, bateu a vontade de lê-lo. A parte boa da minha demora foi que esqueci grande parte do que sabia sobre o enredo e fui praticamente despida de conhecimento sobre ele.
E fui envolvida pela leitura o tempo todo. Uma mistura de nostalgia e surpresa, a sensação de reconhecer algo e, ao mesmo tempo, ter certeza de ver pela primeira vez. Difícil não revisitar a infância onde pessoas novas podiam ser assustadoras ou incríveis, onde nem tudo era o que aparentava, onde os medos eram profundos mesmo frente as coisas mais simples. Também é difícil não se surpreender com os desdobramentos dessa fábula, com os destinos e acontecimentos.
Esse tipo de percepção, essa semelhança misturada com estranheza é tão agradável na escrita de Gaiman. E ele não precisa nos dar nomes de personagens para nos tornar próximos e íntimos de sua história, com seus elementos fantásticos e comuns. Nem precisa detalhar todos os momentos para que entendamos onde ele quer chegar. Só precisamos respirar fundo, começar a leitura e nos deixar levar.
O livro é curtinho, flui muito bem e não cansa, e tornou-se meu preferido do autor. Para quem nunca leu nada do Neil Gaiman, é uma ótima forma de começar.
Sobre o livro:
ISBN: 9788580573688
Autor: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
Ano: 2013
Páginas: 208
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