Deuses americanos é, acima de tudo, um livro estranho. E foi essa estranheza que tornou o romance de Neil Gaiman, publicado pela primeira vez em 2001, um clássico imediato. Nesta nova edição, preferida do autor, o leitor encontrará capítulos revistos e ampliados, artigos, uma entrevista com Gaiman e um inspirado texto de introdução.
A saga de Deuses americanos é contada ao longo da jornada de Shadow Moon, um ex-presidiário de trinta e poucos anos que acabou de ser libertado e cujo único objetivo é voltar para casa e para a esposa, Laura. Os planos de Shadow se transformam em poeira quando ele descobre que Laura morreu em um acidente de carro. Sem lar, sem emprego e sem rumo, ele conhece Wednesday, um homem de olhar enigmático que está sempre com um sorriso no rosto, embora pareça nunca achar graça de nada.
Depois de apostas, brigas e um pouco de hidromel, Shadow aceita trabalhar para Wednesday e embarca em uma viagem tumultuada e reveladora por cidades inusitadas dos Estados Unidos, um país tão estranho para Shadow quanto para Gaiman. É nesses encontros e desencontros que o protagonista se depara com os deuses — os antigos (que chegaram ao Novo Mundo junto dos imigrantes) e os modernos (o dinheiro, a televisão, a tecnologia, as drogas) —, que estão se preparando para uma guerra que ninguém viu, mas que já começou. O motivo? O poder de não ser esquecido.
O que Gaiman constrói em Deuses americanos é um amálgama de múltiplas referências, uma mistura de road trip, fantasia e mistério — um exemplo máximo da versatilidade e da prosa lúdica e ao mesmo tempo cortante de Neil Gaiman, que, ao falar sobre deuses, fala sobre todos nós.
Em dois livros do Gaiman eu tive dificuldade no começo da leitura, em maior escala com "Lugar nenhum" e em menor impacto com "Os filhos de Anansi" e, mesmo sabendo do potencial da história e gostando de ambos os livros, fiquei com um pouco de medo para encarar as mais de quinhentas páginas de Deuses Americanos. E se eu não conseguisse ler?
Para minha surpresa (e felicidade), a leitura me fisgou desde o início. Não sei se foi pelo Shadow já começar sua trajetória na cadeia, ou se foram as notícias que ele logo recebeu, ou ainda se teve alguma influência da presença curiosa de Wednesday, só sei que não conseguia largar o livro nas minhas horas livres.
Vai ver que a culpa desde o começo foi do Neil Gaiman mesmo. Todo o enrendo tem a mistura pessoal de mistério e ironia que ele dá aos seus livros. Passei boa parte da história igual ao Shadow: curiosa com tudo, recebendo respostas quase nunca. Fui, como ele, juntando algumas pistas, achando que estava decifrando alguma coisa para logo depois receber mais informação.
Shadow (e o leitor) conhece muita gente nas suas andanças e é aqui que vamos nos encontrando com várias mitologias, lendas e deuses. Estamos numa releitura do que estes mitos foram e, com o humor característico do autor, os encontramos em diversos momentos e com os empregos mais significativos. Quem mais poderia trabalhar numa funerária senão os mitos egípcios? E quem acompanha o blog já sabe: se tem mitologia, eu fico feliz.
Também foi para mim um reencontro com personagens de outros livros do autor, como Anansi e uma figura que logo era esquecida assim que se desviasse o olhar dela (tenho certeza que falam sobre ele em "Lugar nenhum", mas não consigo lembrar pelo mesmo motivo que o Shadow não recorda do rosto dele).
E a leitura além do humor, reservou partes onde o horror predominava e, no lugar do Shadow, eu não teria sobrevivido nem aos primeiros momentos. A imaginação do Gaiman realmente parece não ter limites e a mistura de sensações que ele nos passa sempre me surpreende. Ainda bem!
Essa edição é uma versão onde encontramos, além do texto original praticamente na íntegra, entrevista com o autor e notas do tradutor (que me foram bastante esclarecedoras). Não que seja necessário reforçar, mas a leitura de Deuses Americanos vale sim suas 576 páginas. Só posso recomendar o livro.
Sobre o livro:
Deuses Americanos - Edição preferida do autor
ISBN: 9788551000724
Autor: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
Ano: 2016
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