terça-feira, 8 de agosto de 2017

RESENHA: A menina sem palavra

Os dezessete contos desta antologia foram escritos em fases distintas da carreira do escritor Mia Couto e compõem um panorama surpreendente do universo infantil em Moçambique. Acostumados a reconhecer nos povos africanos a violência e a miséria, o leitor encontrará nessa seleção uma delicadeza que não se vê nos relatos oficiais. As histórias selecionadas mostram a complexidade que move as relações familiares, a orfandade em um país que viveu por anos em guerra, a realidade das crianças submetidas ao trabalho infantil e os resquícios da luta pela independência. 
Mia Couto é um prosador bastante sensível às complexidades da vida e um escritor que constrói as narrativas inspiradas na linguagem oral, revelando a sua influência e admiração pelo nosso Guimarães Rosa, sem contar a presença do fantástico e do religioso em suas histórias.

Nunca li nada do Mia Couto e minha escolha para entrar em suas histórias pela primeira vez foi "A menina sem palavra", livro de contos no qual encontrei uma mescla de temas muito convidativos, por mais que sua base seja o pós guerra e a cruel realidade da Moçambique.

Mesmo em contos mais infantis podemos perceber esta característica. Em "O dia em que explodiu Mabata-bata" encontramos um enredo sobre orfandade, consequências da guerra e trabalho infantil, que me tocou bastante por tratar de um garoto que sonhava em ir à escola, embora fosse explorado pelo tio. Já "A menina de futuro torcido" é sobre um pai de doze crianças que escolhe uma das filhas para ser contorcionista sem se preocupar com as dores e o estado cada vez mais perigoso em que ela se encontrava, de tão focado em ganhar dinheiro.

"A menina sem palavra", conto o que dá nome ao livro, é bem tocante e o autor escreve sobre o pai cuja filha não falava. Foi muito poético e um dos que mais gostei, assim como "O adiado avô" e "O rio das Quatro Luzes", este muito interessante por tratar de um garoto que queria ser enterrado. A análise sobre a solidão infantil é cheia de poesia.

Muitos contos tem aspectos infantis, porém o autor se preocupa em abordar questões mais adultas como a violência e corrupção presentes no conto "O apocalipse privado de tio Gegê" e o preconceito racial em "A filha da solidão" e o triste "O embondeiro que sonhava pássaros".

O final de alguns contos são praticamente abertos, deixam o leitor tomar a decisão sobre o que acontece e fazer sua própria interpretação. E foi um aspecto do livro que gostei, pois muitas das histórias não precisam realmente de um fim, só necessitam passar sua mensagem.

Meu primeiro contato com a escrita do Mia Couto não poderia ser melhor. A linguagem que o autor utiliza é diferente, mas ainda sim, muito acessível e prima por passar para a linguagem escrita a narrativa oral. Sua sensibilidade é palpável, e me agradou bastante sua maneira de contar a história. Pretendo ler mais do autor com certeza.

Sobre o livro:
ISBN: 9788565771061 
Autor: Mia Couto
Editora: Boa Companhia
Ano: 2013
Páginas: 160

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