Em seu elogiado livro de estreia, Garrard Conley revisita as memórias do doloroso período em que participou de um programa de terapia baseado no estudo da Bíblia que prometia “curá-lo” de sua homossexualidade.
Filho de um pastor da Igreja Batista e criado em uma cidadezinha conservadora no sul dos Estados Unidos, aos 19 anos Garrard foi convencido pelos próprios pais a apagar uma parte de si. Em uma tentativa desesperada de agradá-los e de não ser expulso do convívio da família, ele quase se destruiu por completo, mas encontrou forças para buscar sua identidade e hoje é ativista contra as terapias de conversão.
Tocante e inspiradora, a história do autor é um acerto de contas com o passado, um panorama complexo das relações dele com a família, com a fé e com a comunidade. O livro é o testemunho dos traumas e consequências de se tentar aniquilar parte essencial de um ser humano.
Acho que tudo se resume a dor. Dor de se aceitar, de ser aceito, de ser transformado no que não é para garantir amor da própria família. Eu imaginei que não seria uma leitura fácil, e não foi mesmo. Difícil entender como um ser humano inflige esse tipo de sofrimento a outro, como não percebe a dor alheia e como faz da condição de várias pessoas uma forma de ganhar dinheiro e usar a religião de forma deturpada. Mas é aquela coisa: ainda vivemos isso, mesmo que não tenhamos um centro específico para transformação, ainda colocamos as pessoas em desconforto com sua orientação sexual.
Tem muitas coisas que qualquer pessoa com o mínimo de empatia se sentiria chateada por ver Garrard ser obrigado a enfrentar. Uma delas foi como a AEA (Amor em ação) minou seu contato com Deus. Sendo uma instituição que usava a fé para "curar", constantemente pintava uma imagem falsa onde seus internos eram pessoas influenciadas pelo diabo, sempre as colocando como um erro. Cada palavra do autor sobre sua experiência me deixava triste e não ter mais um refúgio por conta da AEA foi duro de ler. Outro ponto foi ver como a relação entre ele e os pais foi se deteriorando, embora a mãe dele tenha alguns aspectos que me agradassem. Creio que, do jeito dela, ela tentou entender um pouco o filho.
O abuso psicológico que ele enfrentava também mexeu demais comigo. Terapeutas que deveriam ter como objetivo ajudar, só pioram a já dura vida de Garrard e os sentimentos descritos nessas sessões me angustiava. E novamente eu me perguntava como um ser humano podia tratar outro dessa maneira.
O livro é em primeira pessoa e não é linear. Então, ora estamos acompanhando o autor no seu tempo na Amor em ação, ora antes dos pais descobrirem que ele era gay, ora os dias antes de entrar na AEA. Apesar de gostar bastante dessa construção, em alguns momentos fiquei um tanto perdida na cronologia, confundindo se certos momentos eram no espaço de tempo que eu estava entendendo ou se tinha me enganado.
Como disse no início da leitura, não foi fácil. Não aceitar um aspecto humano imutável já tornaria tudo isso doloroso, mas acompanhar a história por quem sofreu com esse preconceito torna tudo mais pesado, porém o mesmo motivo serve para indicar esse livro. Conhecer a dor de Garrard com certeza é uma forma eficaz de entender o sofrimento do homossexual (e LGBTIs em geral). Espero que vocês se aventurem na leitura, mas estejam preparados para essa experiência.
Sobre o livro:
ISBN: 9788551004111
Autor: Garrard Conley
Editora: Intrínseca
Ano: 2019
Páginas: 320
Nenhum comentário: