Gavin é um ator relativamente famoso que acabou de perder o namorado e agora está chorando ao vivo em um programa sensacionalista de auditório. Ele está lá para acompanhar Joan, uma garota com uma síndrome rara que a faz lembrar de absolutamente tudo o que viveu. Depois de encontrar a menina, que fugiu sozinha para participar de um programa de TV, e de se constranger durante a gravação, o ator se torna o retrato da angústia pós-adolescente: "Em tese, sou o adulto aqui, mas não sei direito como lidar com essa situação" - uma sensação que pode ser aplicada a qualquer momento da vida adulta. Apesar de ser a única personagem criança deste livro, Joan parece ser de longe a pessoa que mais sabe o que está fazendo.
Foi depois de um vídeo em que aparece queimando todas as lembranças do namorado morto viralizar que Gavin fugiu dos holofotes de Los Angeles em busca de paz na casa de amigos em Nova Jersey. Os amigos são os pais de Joan, que aos poucos se mostra uma excelente aliada na busca de respostas para os mistérios da vida. Apesar de só agora ter conhecido Gavin, a garota conviveu com o namorado dele, Sydney. Nasce assim uma parceria inusitada: Joan aplaca a saudade de Gavin com todas as lembranças que ela tem de Sydney, e ele a ajuda a contornar a ansiedade de saber que será esquecida.
Entre as lembranças de Gavin, frágeis e apaixonados, e a supermemória de Joan, tão exata e definitiva, Val Emmich altera com perspicácia os pontos de vista do ator e da menina, sobrepondo reminiscencias de amor e de musica - esta, uma personagem quase palpável na trama, que percorre conflitos e se ancora com firmeza na figura de John Lennon -, até que o leitor, sem nem perceber, já é ele próprio parte dessa narrativa.
Uma amiga me indicou esse livro assim que terminou de ler por achar as reflexões contidas nele muito boas. Como temos um gosto parecido, resolvi seguir a dica e comecei a ler com medo de não ser um bom momento para ele. Me enganei e fiquei feliz por isso ter acontecido, já que Joan e Gavin são personagens maravilhosos.
Ter um protagonista LGBTQI é com certeza um ponto a favor, principalmente por ele ter um relacionamento muito bem sucedido com outro homem que também tem uma vida de sucesso. Claro que eu preferia ver o relacionamento deles com mais detalhes, porém não faria tanto sentido dentro da história. Afinal Gavin ainda tinha um caminho longo para percorrer.
Joan me encantou desde o começo, e creio ser basicamente o efeito dela na maioria das pessoas. Seu amor pela música é lindo e sua forma de vê-las e relacioná-las ao seu cotidiano é gostoso de acompanhar, mesmo quando ela mostra que suas lembranças nem sempre são uma boa coisa. Não consigo imaginar lembrar de tanto e tentar não ser influenciada por essas lembranças no dia a dia, mesmo que qualquer peça de roupa possa te transportar para a primeira vez que a usou. Seria um fardo para qualquer pessoa, imagina para uma criança de dez anos?
A convivência de Gavin e Joan evidentemente é o maior trunfo do livro. O processo de luto de Gavin parece encontrar uma semelhança com as necessidades de Joan e uma amizade improvável nasce de uma maneira muito espontânea e abre novos caminhos para os dois. Esse processo é importante principalmente para Gavin e cria oportunidades para ele confrontar alguns medos e voltar aos trilhos.
A leitura é leve e flui fácil, cativa principalmente pelos personagens e seus problemas, mesmo que alguns não sejam tão comuns. As referências musicais estão presentes por todo o livro e faz diferença demais, pois muitas delas dão o tom certo aos acontecimentos. Os capítulos são pequenos e alternados entre a narrativa dos dois protagonistas, e o autor consegue diferenciar o tom, imprimindo a melancolia durante a maior parte das reflexões de Gavin, bem como a inocência e determinação de Joan. Não conhecia o autor, mas fiz uma boa escolha em iniciar por "Os prós e contras de nunca esquecer".
Sobre o livro:
ISBN: 9788551003619
Autor: Val Emmich
Editora: Intrínseca
Ano: 2018
Páginas: 318
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