sexta-feira, 2 de abril de 2021

RESENHA: Pachinko

No início dos anos 1900, a adolescente Sunja, filha adorada de um pescador aleijado, apaixona-se perdidamente por um forasteiro rico que frequenta a costa perto de sua casa, na Coreia. O gângster cuja fala emula um sotaque japonês e cujas roupas se distinguem das de todos na região promete a ela o mundo. Então Sunja engravida e descobre que ele já é casado. A jovem se recusa a ser comprada como amante, e sua vergonha e desonra em dar à luz um criança fora do casamento se amainam no último minuto, com o pedido de casamento de um pastor religioso que está de passagem pelo vilarejo, rumo ao Japão. A decisão de abandonar o lar e rejeitar o homem poderoso de quem engravidou dá início a uma saga dramática que se desdobrará ao longo de gerações por quase cem anos, acompanhando os destinos daquela criança ilegítima gerada na Coreia e de seu futuro irmão, filho do pastor.
No romance movido pelas batalhas enfrentadas pelos imigrantes, os salões de pachinko - o jogo de caça-níqueis onipresente em todo o Japão - são o ponto de convergência das preocupações centrais da história: identidade, pátria e pertencimento. Para a população coreana no Japão, discriminada e excluída - como Sunja e seus descendentes -, os salões são o principal meio de trabalho e a chance de tentar ascender financeiramente. Como no jogo, em que bilhas metálicas ricocheteiam aleatoriamente entre pinos e alavancas, a escritora Min Jin Lee lança seus personagens de encontro aos acontecimentos, à paixão e ao sofrimento, em uma narrativa que várias vezes muda de direção, e mesmo assim, ressoa intimamente em quem lê. Porque o que encontramos em Pachinko é, a bem da verdade, um panorama da vida como a vivemos, caótica e imprevisível.
Na trilha dos grandes romances que conhecemos, a saga escrita por Lee resiste a qualquer tentativa de resumo, porque a história em si é um personagem. A cada vez que a narrativa mergulha no que poderíamos chamar de sua espinha dorsal - a colonização japonesa na Coreia, a vivência da Segunda Guerra naquela porção da Ásia, o cristianismo, as relações familiares, o papel da mulher ao longo das décadas - o livro se torna algo ainda maior. Das movimentadas ruas dos mercados aos corredores das mais prestigiadas universidades do Japão, passando pelos salões de apostas do submundo do crime, os personagens complexos e passionais - mulheres fortes e obstinadas, irmãs e filhos devotados, pais abalados por crises morais - sobrevivem e tentam prosperar, indiferentes ao grande arco da história.

Esse título estava na minha lista e quando pude ler fiquei muito feliz. O enredo se passa na mesma época do quadrinho Grama e trata de um desenvolvimento diferente das consequências da invasão da Coreia: a ida de vários de seus habitantes para o Japão e o preconceito japonês contra os imigrantes coreanos.

Creio ser a narrativa a grande culpada por fazer me envolver tanto com o enredo e os personagens. A autora nos conta a vida de Sunja e família principalmente na visão das mulheres dentro de uma sociedade machista, porém que depende da força e dedicação delas para seguir em frente. É uma perspectiva que funciona e dá uma dimensão diferente aos percalços da família Baek, sendo o crescimento de Sunja a personificação da luta pela sobrevivência.

A questão de identidade própria como povo foi abordada de diversas formas. A que mais me doeu foi como o preconceito e a mentalidade do ser "verdadeiramente japonês" influenciou as atitudes de Noah e o faz trilhar um caminho impensável para ele até então. Ele parece não achar seu lugar mesmo vivendo no Japão desde o nascimento e essa sensação de não pertencimento, de não encontrar o próprio lugar no mundo não se resume somente a ele: ecoa por toda família e por cada imigrante coreano.

O aspecto histórico tem sua força e abrange a ocupação japonesa na Coreia, a Segunda Guerra Mundial e um pouco da separação das Coreias. Não é um registro com o objetivo de explicar particularidades desses acontecimentos, mas através da vida da Sunja entendemos o impacto na vivência dos habitantes coreanos no Japão desde a dificuldade de encontrar determinados alimentos e emprego até o medo de sofrer alguma acusação e ser preso, entre outros. É um época de grandes e doloridas mudanças e a autora não se exime de retratá-las.

Nas mais de quinhentas páginas de Pachinko consegui passar por uma mescla enorme de emoções. Fique feliz pela união da Sunja com uma pessoa realmente boa, pela amizade com Kyunghee e a solidez dessa parceria, chorei com as perdas sofridas, me preocupei com as dificuldades sempre presentes, mas, acima de tudo, fiquei orgulhosa das escolhas, da força e coragem frente ao desconhecido. A autora sabe construir cenas simples que conseguem emocionar e faz isso até mesmo nas ausências de momentos que outros escritores normalmente enfatizariam. Essa sutileza me pareceu ainda mais emocionante e me conquistou. Imagino que conquistará vocês também.

Sobre o livro:
ISBN: 9788551005958
Autora: Min Jin Lin
Tradução: Marina Vargas
Editora: Intrínseca
Ano: 2020
Páginas: 528



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