sexta-feira, 16 de julho de 2021

RESENHA: As boas mulheres da China

Xinran ficou conhecida como a jornalista que "ergueu o véu das mulheres chinesas", graças a seu programa de rádio em que ouvintes relatavam casos de violência e de sofrimento. Neste livro, ela narra experiências de suas entrevistadas ao mesmo tempo que conta a própria história, também marcada pelo preconceito e pela opressão.
Entre 1989 e 1997, a jornalista Xinran entrevistou mulheres de diferentes idades e condições sociais, a fim de compreender a condição feminina na China moderna. Seu programa de rádio, Palavras na brisa noturna, discutia questões sobre as quais poucos ousavam falar, como vida íntima, violência familiar, opressão e homossexualidade. De forma cautelosa e paciente, Xinran colheu inúmeros relatos de mulheres em que predomina a memória da humilhação e do abandono: estupros, casamentos forçados, desilusões amorosas, miséria e preconceito. São histórias como as de Hongxue, que descobriu o afeto ao ser acariciada não por mãos humanas, mas pelas patas de uma mosca; de Hua'er, violentada em nome da "reeducação" promovida pela Revolução Cultural; da catadora de lixo que impôs a si mesma um ostracismo voluntário para não envergonhar o filho, um político bem-sucedido; ou ainda a de uma menina que perdeu a razão em consequência de uma humilhação intensa. Quando Xinran começou suas entrevistas, o peso de tradições antigas e as décadas de totalitarismo político e repressão sexual tornavam muito difícil o acesso à intimidade da mulher chinesa. Desde 1949, a mídia chinesa funcionava como porta-voz do regime comunista. Rádio, televisão e jornais estatais eram a única fonte de informação, e a comunicação com pessoas no exterior era rara. Em 1983, o presidente Deng Xiao Ping iniciou um lento processo de abertura da China.
Alguns jornalistas começaram a promover mudanças sutis na maneira como apresentavam as notícias. O programa apresentado por Xinran era um dos poucos espaços em que as pessoas podiam desabafar e falar de seus problemas pessoais. Nos relatos do livro, a autora possibilita a vozes antes silenciadas revelar provações, medos e uma capacidade de resistência que as permitiu se reerguer e sonhar em meio ao sofrimento extremo. Em condições extremas de vida, como a dos campos de reeducação da Revolução Cultural, afloram sentimentos de maternidade, compaixão e amor. O olhar objetivo de Xinran dá ao tema um tratamento firme e delicado, trazendo à tona as esperanças e os desejos escondidos nessas difíceis vidas secretas.

O clube do livro fez mais uma leitura impactante. Já sabia algumas coisas sobre o livro, mas acho que ainda sim não estava preparada para encontrar esses relatos. 

Aqui a condição da mulher na China durante e pós Revolução Cultural nos chega através de testemunhos colhidos pela autora após seu programa de rádio se tornar famoso. Ela encontra diversas mulheres de várias camadas sociais e níveis de influência que viveram as mudanças do país no período e o impacto que isso tem sobre a vida delas.

Histórias como a garota que é abusada pelo pai e que somente conhece a leveza no toque de uma mosca, o terremoto que despertou a gentileza de alguns ao mesmo tempo que abriu as portas da pior face do ser humano (eu chorei sim nesta parte), as pessoas esquecidas em lugares longínquos sem o mínimo de condições, a traição de membros de um novo governo que repete os mesmo erros do anterior... Encontramos mulheres nas situações mais desesperadoras, mais dolorosas e infelizes, e quase sempre o fim delas era/ é trágico.

Todas essas histórias são contadas pelo ponto de vista da Xinran e, enquanto ela expõe cada relato feito a ela, também expõe suas próprias feridas e repensa muito das suas ações e reflexões. A percepção dela das cicatrizes deixadas nas mulheres tanto física como emocionalmente atinge quem lê facilmente. Fiquei abalada em diversos momentos.

Me doeu reconhecer que tudo que o livro relata aconteceu e ainda acontece em todo o mundo. Pessoas que deveriam nos proteger se tornam nossos algozes, o sistema não dá conta - quando se importa - de nos dar segurança, o valor da mulher é sempre subjugado e limitado a atender as necessidades do homem. Não importa se você está na China ou no Brasil.

As informações históricas são de grande valia e pesquisei algumas coisas a partir disso. Apesar da óbvia dor dos relatos, eu gostei de ter lido porque creio ser uma leitura necessária para nos fazer abrir os olhos em relação ao que se passa no mundo, no nosso país, na nossa cidade, na casa ao lado, dentro da nossa.

Sobre o livro:
ISBN: 9788535903263
Autora: Xinran
Tradução: 
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2007
Páginas: 256

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