Um relato memorialístico pungente e sensível sobre ancestralidade, feminismo e antirracismo na criação de filhos.
No mais pessoal e delicado de seus livros, a filósofa Djamila Ribeiro revisita sua infância e adolescência para discutir temas como ancestralidade negra e os desafios de criar filhos numa sociedade racista. O relato se dá na forma de cartas a sua saudosa avó Antônia – carinhosa e amorosa, conhecedora de ervas curativas e benzedeira muito requisitada.
A cumplicidade que sempre houve entre avó e neta é o que permite que a autora rememore episódios difíceis, como a perda do pai e da mãe, as agressões que sofreu como mulher negra no Brasil e os desafios para integrar a vida acadêmica. Djamila também fala de relacionamentos amorosos e experiências profissionais, das músicas, das leituras e das amizades que a acompanharam em sua construção pessoal – e da percepção paulatina de que a memória das lutas e das conquistas das pessoas negras que vieram antes de nós é a força que nos permite seguir adiante.
Sou fã de livros epistolares, para mim é uma forma bem pessoal de escrita, e geralmente apela mais para os sentimentos do leitor. Funcionou muito bem em Cartas para minha avó, ainda que não precisasse: a história da Djamila Ribeiro é forte e tocante o suficiente.
Um ponto que gostei foi o fato da Djamila ir falando do racismo e do feminismo enquanto relata a própria vida e da família. Ela se espelhou (e ainda se espelha) na vivência da mãe e da avó Antônia para fazer escolhas e entender processos sociais que limitam a mulher e as pessoas negras, e a influência da vida delas na própria experiência.
Ela questiona a necessidade da mulher negra ser sempre forte e guerreira, sempre pronta a abdicar dos próprios desejos, e receber elogios por isso como um traço de personalidade bom, sendo que a vida não dá outra opção e que muitas vezes é negado o sentimento de se sentir cuidada e ajudada. A mãe da autora é um exemplo desse estigma e a filha tenta quebrar esse ciclo mesmo com dificuldades.
Quando Djamila fala das conquistas acadêmicas, ela nos conta um pouco da influência do pai, sempre preocupado sobre a educação dos filhos, e como foi importante ter seguido por esse caminho. Alguns dos sonhos dela foram realizados por conta dos estudos.
O grande trunfo do livro, para mim, é como o leitor pode se identificar com os relatos da autora, em especial se for parte de uma família negra, que é o meu caso. Muito do que ela trata aconteceu ou acontece com grande parte das pessoas negras, então quando ela sofre racismo na escola ou na rua, quando ela se vê preterida em sua adolescência/ início da vida adulta, quando as pessoas tentam diminuir seus desejos e sonhos, quando o pai dela incentiva o estudo como forma de mudar o futuro, vi um pouco da vida da família do meu pai, vi um pouco de mim. E também senti muita falta da minha avó.
É o primeiro livro da Djamila Ribeiro que leio e foi uma ótima maneira de começar. O tom intimista escolhido por ela para falar da própria trajetória unida com a da avó e também a da mãe foi emocionante em muitos aspectos, inspirador em outros. Foi inquietante e reconfortante ao mesmo tempo.
Sobre o livro:
ISBN: 9786559210916
Autora: Djamila Ribeiro
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2021
Páginas: 200
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