quarta-feira, 11 de agosto de 2021

RESENHA: Continuo Preta - A vida de Sueli Carneiro

Uma das maiores intelectuais públicas do Brasil, referência histórica do movimento negro, biografada por uma das mais promissoras vozes da nova geração.
Sueli Carneiro é uma das principais intelectuais públicas brasileiras. Em mais de quarenta anos de ativismo, ela vem combinando escrita, academia e intelectualidade para qualificar uma luta política que enegreceu o feminismo no Brasil e, ao mesmo tempo, colocou as mulheres como protagonistas do movimento negro.
Entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta. Mais do que célebre, a tirada proferida por Sueli Carneiro sintetiza um lugar político fundamental para o movimento negro brasileiro. E sua vida oferece o desenho exemplar dessa posição.
Para dar conta de uma longa trajetória política, que se confunde com a própria história do Brasil pós-redemocratização, a jornalista Bianca Santana realizou dezenas de horas de entrevistas e empreendeu uma escavação documental cuidadosa nesta biografia que é, a um só tempo, tributo à caminhada de Sueli Carneiro, repositório de informação sobre a luta das mulheres negras no Brasil e, por tudo isso, preciosa fonte de inspiração para as futuras gerações.

Das inúmeras falhas que tenho na minha busca para entender o movimento negro brasileiro está o fato de não ter lido nada - ainda - da Sueli Carneiro. Impossível não conhecer ou ter ouvido falar, mas o contato com seus escritos ainda me falta. Conhecer a vida dela pelo olhar e pela pesquisa da Bianca Santana me deu um gostinho do que seria sua obra.

Bianca conseguiu reunir marcos da vida da Sueli que exemplificam bastante da vida do povo negro brasileiro e os organizou alinhados aos momentos da história nacional, evidenciando o quanto a vivência da Sueli foi afetada por esses marcos e a importância dos mesmos no ativismo dela.

Se nossa existência é política, creio que a intensidade dessa afirmação fica muito mais evidente quando observamos a vivência do povo negro, desde a dificuldade de ocupar certos espaços, ter uma boa qualidade de vida e acesso aos mesmos direitos dos brancos. Seja na vida privada ou na profissional, Sueli passou e presenciou o racismo e o machismo, e se rebelou contra ele.

O mais rico dessa leitura é perceber o quanto a história da Sueli se mistura aos dos movimentos negro e feminista negro. Sua contribuição enquanto se achava no meio do ativismo é constante, sendo muitas vezes protagonistas de ações determinantes de mudanças. Através da vida dela, presenciamos a ditadura, as primeiras leis contra racismo e sua ineficiência, as instituições e organizações feministas criadas por mulheres negras, e os governos que deram visibilidade as propostas de combate ao racismo e desigualdade sem por em prática.

Além de nomes conhecidos do público como Lélia Gonzalez, Angela Davis, Leci Brandão, Benedita da Silva, Nelson e Winnie Mandela, entre outros, me chamou a atenção o congresso em Durban e todo o processo sobre as cotas na universidade. Não lembrava dos desdobramentos citados no livro e foi sobre uma nova ótica que os encaro agora. Também é citada a onda de fascismo que tem se agravado nos últimos anos.

Para mim foi uma leitura que me enriqueceu de diversas formas, não somente por conhecer uma personagem tão importante, como também entender o contexto dos acontecimentos que culminaram em leis, projetos, estudos e organizações que lutam até hoje pelo direito das pessoas negras. Bianca conseguiu fazer da biografia da Sueli um documento histórico imprescindível para se conhecer a luta negra.

Sobre o livro:
ISBN: 9786559210350
Autora: Bianca Santana
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2021
Páginas: 296



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